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Uri Caine Ensemble
plays Mozart
CD
Winter & Winter 2006

 

O disco de Uri Caine sobre Mozart é realmente outra coisa. Músico de formação clássica, as incursões do pianista aos heróis da música clássica europeia são já famosas (Wagner, Mahler, Schummann, Bach, Beethoven...), ao mesmo tempo que as interpretações de Monk ou os devaneios milesianos no piano eléctrico como se apresenta ao lado de Dave Douglas.

Neste disco, o tema é exactamente Mozart, entre sonatas para piano, ópera ou passagens de algumas das suas mais célebres sinfonias. Qualquer ouvinte de música clássica (que não eu, que nem sequer sou apreciador) as reconhecerá imediatamente. Simplesmente, de todos ou qualquer ponto de vista, a abordagem de Uri Caine poderá de forma alguma ser considerada convencional. A começar logo pela formação, um ensemble misto de grupo de câmara clássico e combo de Jazz alargado: piano, baixo e bateria, mais clarinete e trompete, violino, guitarra eléctrica e turntables. Ou seja, nada convencional como formação clássica ou banda de Jazz.

Mas a transgressão torna-se evidente nos arranjos. Claro que eles são verdadeiras provocações e qualquer apreciador de música clássica deverá prudentemente afastar-se ou então preparar-se para o pior. Não que Mozart não esteja lá, porque o ponto de partida é sempre Mozart e as orquestrações de Uri Caine não o utilizam sequer apenas como ponto de partida, mas verdadeiramente o integram nas composições. Ele está lá sempre, ora na melodia desenhada pelo piano (mais evidente nas sonatas), ora no violino ou no violino-clarinete; mas sempre em movimento, questionado pelos outros instrumentos ou pelo instrumento que o evoca, contrariado, quebrado, silenciado ou prolongado, improvisado ou invocado. Por vezes torna-se evidente que se trata de uma banda de Jazz a tocar, outras o rock ou a pop parecem assomar, outras o mais cândido Mozart espraia-se, e o que é verdadeiramente impressionante é a forma absolutamente natural como os arranjos surgem, como se Mozart fosse exactamente assim; realmente empolgante como alguma vez já alguém o tocou. Mesmo as turntables para com que tenho uma aversão alérgica antiga são aqui usadas com parcimónia e acerto! Não tenho dúvidas que se trata de um disco de Jazz onde a escrita se funde com a improvisação como jamais tinha sido feito. Irreverente, transgressor, genial.

Sobre os músicos há pouco a dizer: apenas que este é um grupo perfeito e à bela maneira ellingtoniana eles foram escolhidos a dedo com este propósito: também aqui o génio de Uri Caine se revela. Ainda assim se haverá um músico a evidenciar, ele será Jim Black sempre eficiente nas marcações ou nos contrapontos, incisivo e inventivo.

De todas as investida aos autores clássicos de Uri Caine, esta parece-me ser de longe o mais conseguida. Mas é evidente que qualquer fundamentalista não pode deixar de se sentir ofendido. Os puristas de Mozart clamarão por sacrilégio e os que consideram que Bitches Brew não é um disco de Jazz devem achar este objecto abjecto. Mas ele é, em meu entender, um disco absolutamente genial.

(O Uri Caine Ensemble tocou na Casa da Música a 25 de Março de 2007).

Uri Caine (p, arr)
Ralph Alessi (t)
Chris Speed
(cl)
Joyce Hammann
(v)
Nguyên Lê
(g)
DJ Olive
(turntables)
Drew Gress
(ctb)
Jim Black
(bat)